Estudos quentíssimos sugerem que, além de evitar o
aparecimento de tumores no intestino, a substância protege a mama, o
pâncreas...
por Thaís Manarini | fotos Alex Silva
À primeira vista, alimentos como goiaba, cebolinha, cenoura,
tangerina, soja, arroz integral e aveia não têm nada em comum. Mas, perdoe-nos
pelo clichê, as aparências enganam. É que esses itens — e muitos outros — são
carregados de fibras, substâncias valiosas. Entre seus feitos estão o estímulo
da saciedade, a melhora do funcionamento do intestino e a proteção contra
câncer nesse órgão. Agora a ciência acaba de apontar, veja só, que elas também
previnem tumores no pâncreas e na mama. No mínimo.
Vem do Colégio Imperial de Londres e da Universidade de
Leeds, na Inglaterra, o estudo que associou o consumo de fibras a uma menor
incidência de tumores mamários. Para realizá-lo, os pesquisadores esmiuçaram 16
trabalhos sobre o tema. “Notamos que a ingestão diária de 10 gramas de fibras
solúveis derruba em 26% o risco de o mal se desenvolver. Ainda não sabemos por
que as insolúveis não promoveram o mesmo benefício”, conta Dagfinn Aune, líder
do projeto.
Uma das hipóteses levantadas para explicar tal façanha é que
as fibras reduziriam o estrogênio que perambula pelo sangue. É que elas
prejudicam a ação de uma enzima responsável por quebrar o hormônio para
facilitar sua absorção. Assim, boa parte dele vai embora junto com as fezes.
Mas há um mistério: “Em pesquisas com cobaias, tanto as fibras solúveis como as
insolúveis causaram esse efeito”, pondera a nutricionista oncológica Thais
Manfrinato Miola, do Hospital A.C. Camargo, na capital paulista.
Se você está se perguntando por que é importante evitar
picos de estrogênio, fique sabendo que ele incita a proliferação das células
mamárias, independentemente de serem normais ou cancerosas. “Sabe-se que outros
hormônios agem assim, ou seja, estimulam a multiplicação celular. Então, quando
eles estão controlados, o risco de desenvolver câncer diminui”, explica Fábio
Gomes, nutricionista do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Mais fibras, menos insulina
Só para constar, outro hormônio intimamente relacionado ao
câncer de mama é a insulina, responsável por botar a glicose dentro das
células. E as fibras dão um jeito nela também. Afinal, retardam o esvaziamento
gástrico — em outras palavras, você fica com o estômago cheio por mais tempo —,
o que torna a absorção de açúcar mais lenta. Diante disso, não há necessidade
de ter um monte de insulina circulando.
E, por falar em barriga bem forrada, está aí outro fator
que, indiretamente, é capaz de afastar a ameaça do câncer mamário. É que a obesidade
e essa doença caminham lado a lado. Quando a dieta é rica em fibras, fica mais
fácil escapar dos ataques à geladeira e, dessa forma, administrar o ponteiro da
balança. “Mas, se uma mulher está 40 quilos acima do peso, não adianta só
apostar nas fibras. O consumo isolado da substância não contrabalançará todos
os outros problemas”, avisa Artur Katz, coordenador do Centro de Oncologia do
Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Já no Centro de Referência Oncológico de Aviano, na Itália,
os cientistas voltaram suas atenções para a relação entre uma dieta campeã em
fibras e o aparecimento de câncer no pâncreas. Para explorá-la, eles avaliaram
a dieta de 326 pacientes diagnosticados com a doença e 652 indivíduos
saudáveis. Foi quando notaram que o consumo da versão solúvel fez despencar em
60% a probabilidade de tumores surgirem no órgão. A insolúvel, por sua vez,
diminuiu o perigo em 50%.
Ao que tudo indica, a partir do momento em que tais
substâncias passam a controlar a produção e a liberação desenfreada de
insulina, evitam não só o boom de células malignas nas mamas como também no
pâncreas. “Isso não está 100% comprovado, mas é uma teoria que ganha força”,
avalia Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. “E
esse mecanismo provavelmente garante proteção contra vários outros tipos de
tumores”, completa Fábio Gomes, do Inca.
Outra explicação plausível para essa blindagem é a
capacidade que as fibras têm de aliviar o engarrafamento que muitas vezes
atravanca o trânsito intestinal. “Elas não permitem que o organismo tenha tempo
de absorver agentes potencialmente cancerígenos. Dessa maneira, os inimigos são
rapidamente eliminados”, esclarece a nutricionista Juliana Pereira Lima Gropp,
do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).
Ainda que as evidências deem às fibras o troféu de
anticancerígenas, Artur Katz pede cautela ao discutir seus efeitos: “Elas podem
ser indicadores de outros comportamentos benéficos, já que as pessoas que
capricham no seu consumo geralmente seguem um estilo de vida mais saudável, com
dieta balanceada e prática de exercícios físicos”.
Sem contar que as substâncias são encontradas em
leguminosas, frutas e hortaliças, alimentos abastecidos de uma variedade de
compostos considerados aliados no combate a tumores, como quercetina,
betacaroteno e licopeno. Portanto, é necessário avançar nas investigações para
confirmar se as benesses alardeadas por todos esses estudos são causadas só
pelas fibras.
De qualquer forma, sua ingestão é mais do que incentivada
pelos especialistas ouvidos nesta reportagem. Nem tem como ser diferente.
Afinal, como ficou claro, elas estão alojadas em alimentos de alto valor
nutricional — e apostar neles possivelmente freia a procura por itens pouco
saudáveis, como os industrializados cheios de gordura e açúcar.
Uma dica: 25g é o
consumo diário de fibras considerado ideal pela
Organização Mundial da Saúde
Ao mexer no cardápio,
não se esqueça de molhar a garganta com bastante água, chás e sucos. “O líquido
é esssencial para que as fibras solúveis se transformem em gel e as insolúveis
formem fezes macias”, informa a nutricionista Michele Trindade, da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), no interior do Paraná. Só não enrole muito para
mudar os hábitos. “A dieta deve ser equilibrada desde cedo para que exerça um
papel realmente significativo na batalha contra o câncer”, adverte Paulo Hoff.
Aliadas na perda de peso
Decididamente, quem
anseia por conquistar uma silhueta mais elegante não pode deixar as fibras de
fora do cardápio. Uma refeição lotada delas demora a ser mastigada e também
digerida. Como consequência, a sensação de saciedade dura mais tempo e a
vontade maluca de comer não aparece tão cedo. “Além disso, ao caprichar em
cereais, leguminosas, raízes e frutas, tende a haver uma redução no consumo de
gorduras e açúcares”, lembra a nutricionista Paula Riccioppo, da clínica Be
Healthy, no Rio de Janeiro. “Essa mudança contribui tanto para a perda quanto
para a manutenção do peso ideal.”
Uma sugestão: para
aumentar o consumo diário de fibras,
salada sempre cai bem antes dos pratos
principais
Duas versões da substância
- Solúveis
Ao entrar em contato com a água, elas formam uma espécie de
gel, que promove saciedade e ajuda a controlar a presença de glicose no sangue,
além de domar o colesterol. Nesse grupo, estão a pectina, a goma e a mucilagem,
que dão as caras nas leguminosas, nas frutas e no farelo de aveia.
- Insolúveis
Não são nada viscosas e têm como principal função aumentar o
bolo fecal e, assim, melhorar o funcionamento do intestino. Representadas pela
celulose e pela lignina, são encontradas na camada externa de grãos e cereais,
no farelo de trigo, na casca de frutas e na soja.
Por que elas não são
nutrientes?
A explicação é
simples: embora façam parte dos alimentos, as fibras são resistentes à digestão
e não são absorvidas no intestino delgado. “É durante a própria passagem pelo
trato digestório que interferem no aproveitamento de nutrientes e ajudam no
combate a doenças”, diz a nutricionista Michele Trindade, da UEL.
O ranking das fibras
1º Soja - 23,9 g em 1
concha média.
2º Grão-de-bico - 17,3 g em 1 concha média.
3º Ervilha - 13,5 g em 1 concha média.
4º Feijão-carioca - 11,9 g em 1 concha média.
5º Cereal à base de trigo - 11,5 g em 1/2 xícara de chá.
Elas estão abrigadas em vários alimentos
- 1 concha média de lentilha - 11,1 g.
- 1 goiaba branca - 10,7 g.
- 1 colher (sobremesa) de cebolinha - 6,4 g.
- 1 mexerica - 4,19 g.
- 1 pera - 3,3 g.
- 1 colher (sopa) de semente de linhaça - 3,3 g.
- 1 colher (sopa) de farelo de trigo - 3,1 g.
- 1 colher (sopa) de abacate - 2,83 g.
- 1 maçã argentina - 2,6 g.
- 1 laranja com membrana - 2,6 g.
- 5 folhas de couve-manteiga - 2,35 g.
- 3 colheres (sopa) de batata-doce cozida - 1,98 g.
- 1 escumadeira de arroz integral - 1,62 g.
- 3 colheres (sopa)de beterraba crua - 1,62 g.
- 1 colher (sopa)de farinha de centeio - 1,5 g.
- 3 colheres (sopa)de mandioca - 1,44 g.
- 1 figo fresco - 1,4 g.
- 1 colher (sopa) de flocos de aveia - 1,37 g.
- 1 fatia de pão de fôrma integral - 1,3 g.
- 1 ameixa-preta seca - 1,2 g.
- 3 colheres (sopa) de cenoura ralada - 1,14 g.
- 3 folhas de alface lisa - 1,05 g.
- 1 colher (sopa) de farelo de aveia - 1,02 g.
- 3 colheres (sopa) de brócolis cozidos - 1 g.
- 1 escumadeira de arroz branco - 0,96 g.
Fonte: http://saude.abril.com.br/edicoes/0348/nutricao/muita-fibra-cancer-679735.shtml